O que é leve flutua no ar

Publicado em 16/05/2024 as 17:47

Está indo Osmário soprado pela brisa do tempo. Flutuando, sempre flutuando. Em verdade, foi o que ele fez ao longo da sua vida foi flutuar, flanar e sonhar através de atos e palavras. Como cronista social, não pautava as suas palavras na procura da maledicência fofoqueira e nem com chantagens que lhe propiciasse ganhos materiais. Ele flanava a vida social, observando com prazer as incoerências humanas, descrevendo-as com leveza, sem se deixar influenciar pela inveja mesquinha. Osmário não era somente um flanador da vida social, mas uma pessoa preocupada com o desenvolvimento cultural, propondo projetos de grande alcance turístico, com, por exemplo, Aracaju de Tototó.

Acometido pelo mal de Alzheimer, perdia progressivamente a memória, levando-o ao esquecimento. Osmário ao longo do tempo esquecia-se de si mesmo. Essa é a pior consequência dessa terrível doença que retira de uma pessoa todas das dores, as alegrias e vivências, relegando-a a um presente sem rosto, a uma solidão apavorante. No entanto, Osmário foi submetido a um outro mal, o qual todos que envelhecemos somos submetidos, o Alzheimer social. Osmário foi progressivamente esquecido e ninguém se lembrava dele, precisando morrer para de repente chover homenagens.

Umas das diferenças do Mal de Alzheimer e o Alzheimer Social é que a primeira esquecemos de nós mesmo, e a segunda, as pessoas esquecem de nós. No passado, as pessoas que envelheciam eram tratadas com dignidade e respeito, tendo um lugar de destaque na família e na sociedade, tornando-se conselheiros dos mais novos, devido as suas longas experiências acumuladas. Nos dias atuais, na melhor das hipóteses, são tratados com carinho, sorriem das coisas que dizem, mas ninguém os procura para um conversa séria, restando para eles o lenitivo de uma televisão e uma revista de palavras cruzadas.

Tenho para mim que o Alzheimer Social é um enfermidade pós-moderna. Em um mundo guiado pelo Capital e o lucro, as pessoas se tornam produtos ou consumidores. A historicidade das nações, suas culturas são relegadas ao esquecimento, restando uma pobre pessoa globalizada, em uma falsa aldeia global, vivendo um presente disforme, sem âncoras culturais, um mundo competitivo de todos contra todos, vivenciando um psicótico pesadelo “eu posso tudo”. Esse é o Alzheimer Social é um mal de um presente sem passado e sem futuro. E como o idoso não é mais produto, produtor e consumidor, o que lhe resta?

É, Osmário, Você se foi esquecido de si próprio e esquecido por todos, inclusive por esse escrevente. Faço a minha mea culpa, e nessa reflexão percebo que ofertar as flores em vida - como fala a música - é muito mais de que afagos e proteção, mas que uma pessoa deve ter sua historia levada sério com fonte primária da experiência e saber. Se o princípio foi o verbo, que o verbo dos mais velhos dialoguem com os verbos dos pretensos novos.

*Ivan Bezerra de Sant’ Anna, advogado.