Uma elite corrupta

Publicado em 19/02/2024 as 13:52
O advogado João Augusto Boto Nascimento.

A corrupção sistêmica é um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento e a justiça social no Brasil. Em 2023, testemunhamos mais um declínio no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional, com o país caindo para a 104ª posição entre 180 nações. Esta queda, de 38 para 36 pontos, a maior desde 2017, é alarmante e reflete uma crise que não pode ser ignorada. Pior foi a reação do governo ao tentar desqualificar a Transparência Internacional.

Para além dos dados oficiais, pesquisas indicam um profundo pessimismo entre os brasileiros. Segundo o PoderData, 39% acreditam que a corrupção aumentou durante o atual governo, enquanto 63% dos entrevistados pelo Datafolha em dezembro de 2023 afirmam que a corrupção cresceu nos últimos anos. Estes números revelam não apenas uma realidade estatística, mas também um sentimento generalizado de desconfiança nas instituições e desesperança no futuro.

Casos emblemáticos como a Lava Jato, o Mensalão e o Petrolão evidenciaram a gravidade da corrupção no país, com desvios bilionários de recursos públicos confessados e a devolução de bilhões de reais aos cofres públicos. Contudo, a luta contra a corrupção enfrenta desafios significativos. Mecanismos de combate aos maus políticos estão sob constante ataque, fragilizando as instituições e ameaçando a democracia, agora e no futuro, e o pleno desenvolvimento.

Por exemplo, a prevenção a crimes praticados contra bens, serviços e interesses da União, sob responsabilidade da Polícia Federal, recebeu R$ 466 milhões em 2023. A previsão para 2024 é de R$ 291 milhões. A Operação Lava Jato, apesar dos equívocos, desmantelou um esquema de corrupção inimaginável, mas vive ataques sistemáticos de políticos e setores da mídia. Propostas no Congresso, como a PEC da Impunidade, também ameaçam o combate à corrupção.

Recentes decisões do ministro do STF Dias Toffoli sobre multas de empresas envolvidas em escândalos de corrupção podem fazer com que mais de R$ 25 bilhões deixem de ser pagos ao governo. O entendimento que livrou a Odebrecht de pagar R$ 3,8 bilhões, mesmo não tendo efeito direto em outras ações, pode ensejar pedidos de revisão por outras companhias, gerando uma reação em cadeia em praticamente todos os acordos de leniência em relação às multas fixadas.

Ainda neste tocante, a dominação partidária no Brasil corrompe os partidos políticos, que deixam de ser veículos de expressão da vontade popular para se tornarem feudos controlados por poucos grupos poderosos. Isso bloqueia o surgimento de novas lideranças, mantendo figuras há décadas no poder, sem espaço para renovação. Para enfrentar este desafio, é necessário um esforço coletivo.

O governo deve intensificar suas ações, fortalecendo a aplicação da Lei Anticorrupção e investindo na capacitação da Polícia Federal e dos órgãos de controle. A sociedade civil também tem um papel crucial, pressionando por medidas mais eficazes e exigindo transparência dos agentes públicos. Fortalecer nossas instituições, aprimorar o sistema judicial e promover uma mudança cultural são passos essenciais, sem os quais estaremos apenas arranhando a superfície de um problema que se enraíza profundamente em nossa história política, econômica e social.

O combate à corrupção é uma batalha que não pode ser adiada ou negligenciada, mesmo que os políticos não o queiram. Isso exige coragem, determinação e um compromisso inabalável com a justiça e a integridade. Chegou o momento de rompermos as amarras desse triste presente e trilharmos um caminho rumo a um futuro mais justo, transparente e inclusivo para todos.

* João Augusto Botto Nascimento - Advogado, membro da Anacrim/SE e secretário-geral do Fórum Brasileiro de Direitos Humanos