O Menino Maluquinho

Publicado em 08/04/2024 as 14:07

Amigos, dobrei a curva da estrada. Inexorável! Todos dobram! Para uns, os sinos dobram; para outros, nem tanto. Para os malucos da vida, aqueles que a dignificaram, deram sentido à noite do mundo, desconfio que os sinos continuam dobrando, como, por exemplo, Rauzilto, o maluco beleza; Ariano Suassuna, o gênio das reflexões humoradas, o homem que entendia os doidos, um perfeito menino maluquinho.

Se tempo atrás, a coisa sempre foi difícil, entretanto, havia legiões de malucos belezas que sonhavam e lutavam por um novo mundo. Hoje, nos dias atuais, os burros e os pastos se tronaram realidade - que me perdoem os ilustres animais pela comparação. É a época do Neo “disso e daquilo”, do Pós-moderno, onde tudo é verdade e é mentira, a crença tomo o lugar das reflexões e o “politicamente correto” destrói o humor crítico e desconstrutor das falsas seriedades. O pragmatismo e a chatice se entronizaram. É presentismo do “novo” que varre o passado para a lixeira, restando pessoas sem raizes, soltas no mundo do consumismo, trabalhadores precarizados, entregues a própria sorte e a ganância do capital. Não estão convencidos? Comprem os livros de auto-ajuda que logo vão ficar ricos, pelo menos, no pensamento, pois, como dizem os “ajudadores” do neoliberal, “querer é poder”, bastando deixar a preguiça de lado.

Ah, o passado… “O que passou, passou”, dizem os cultivadores do presentismo, e, enquanto isso, o meu Vasco perde para o medíocre time do Nova Iguaçu. “Somos o melhor futebol do mundo”, profetizam os analistas do futebol brasileiro, alguns inteligentes como uma pedra, outros tantos, ladinos e jabazeiros. Enquanto isso, exportamos garotos que mal sabem tocar em uma pelota, e importamos jogadores idosos que a Europa não mais quer. Isso é difícil os meninos maluquinhos explicarem, mas o garotos macunaímicos podem. Ah, o passado… Aprendi que negamos o passado para depois negarmos a negação, resgatando as conquistas do passado, reiventando-as com a atualidade criativa, dando-nos óculos-telescópio para vermos o futuro. Sem passado não existe presente; sem o presente em estado de gravidez não há futuro, diziam os meninos maluquinhos.

Em outros tempos, mesmo cheia de erros e acertos, a Esquerda sempre estive grávida de maluquices inteligentes e se aferrava em uma idéia raiz: a briga de foice entre o capital e o trabalho. No atual presentismo, os sindicados ficaram obedientes ao Poder, e as pessoas que conseguem reunir em uma manifestação, cabem confortavelmente em uma Kombi. E o movimento estudantil que outrora era o grito pelas mudanças, o berço de grandes lideranças políticas? Infelizmente para muitos, hoje vive mansamente distribuindo carteirinhas estudantis. O gênio que conseguiu essa proeza, conseguiu o que os militares torturadores, ou coronéis, assassinos de trabalhadores rurais, nunca conseguiram. Certamente, merece o prêmio Nobel da Paz.

O Menino Maluquinho se encontra em estado de esquecimento. Qual o garoto que lê suas aventuras fantástica? Os adultos atuais é uma criança fora de uso, aferrados ao egoísmo possessivo, e quando sentem-se envelhecidos, rezam pelo Paraíso. O mundo de tempo atrás, o mundo rejeitado pelo presentismo, descobriu que o menino maluquinho não era tão doido assim, mas um menino feliz. Com uma caçarola na cabeça, em vez de um quepe militar, o menino vivia aventuras com o Saci, as onças pintadas, os tamanduás, os pássaros que voavam livremente, entoando seus cantos de liberdade, uma vida de magia que tocava o real “menos do que nada”, dando-lhe sentido e esperança. Mas as onças estão sumindo, as florestas virando pasto de bois obedientes, os pássaros já não voam, e se cantam, entoam um lamento em uma gaiola. Entra e sai comandantes da pátria usurpada, prometendo proteger as florestas e seus habitantes, mas o que se percebe são as queimadas que não param e os pastos que florescem. Se não se pode proteger os índios e suas reservas, então se dá uma cadeira na Academia Brasileira de Letras a um deles, mesmo que o premiado não esteja à altura dos herdeiros de Machado de Assis. Mas quem se importa? Afinal, a dita Academia tem músicos, atores de cinema e novelas, médicos, não sendo importante se escrevam com talento. Como pode o Menino Maluquinho sobreviver a isso?

Não se iludam. Ele nunca morre. Suas idéias ressurgirão das cinzas. A inexorável dialética é a lei do mundo. Querendo ou não querendo, mesmo com o caminho cheio de retornos, de retrocessos e avanços, aqui e acolá, os meninos maluquinhos vão aparecer. No início, alguns poucos; depois multidão.

(Conversa psicografada com Ziraldo. O escrevente alerta, como é ziraldiano e Ziraldo é Ziraldo, toda essa conversa pode ter acontecido ou não. Verdade ou humor-verdade, um realismo fantástico de uma mente ziraldiana?)

*Ivan Bezerra de Sant’ Anna, advogado.