Neu Fontes, o grande gestor cultural

Publicado em 25/03/2024 as 10:49

Numa aurora de conhecimento e paixão, ergo-me como um filho da comunicação, nascido e criado no coração pulsante do Bairro Industrial, o berço de nossa amada Aracaju. Desde os primeiros passos, mergulhei nas águas profundas da cultura e da história que fluem pelas veias de nossa cidade e de nosso Estado. Cruzei caminhos com inúmeros pensadores, jornalistas, radialistas, poetas e cantores, tecendo laços profissionais com muitos deles em meus dias iniciais.

Mesmo distante fisicamente por um tempo, em meio aos arranha-céus de São Paulo, jamais desviei meu olhar atento dos acontecimentos culturais que permeiam a alma sergipana. Desde então, nutri um interesse profundo pelas questões da gestão pública, transformando-me num crítico incansável, um cobrador inflexível do destino dos recursos públicos, o que inevitavelmente me tornou alvo das críticas e ressentimentos dos políticos de turno.

Testemunhei o florescer dos primeiros brotos de departamentos culturais na Secretaria de Educação, liderados por mentes brilhantes como a de Luiz Antônio Barreto, o visionário por trás do Encontro Cultural de Laranjeiras, e João Barreto, cuja dignidade e gentileza são lendárias. À medida que os anos se desenrolavam, vi a ascensão da Subsecretaria de Cultura, com o jornalista Luiz Eduardo Costa.

Na efervescência dos anos 80, ecoou a notícia da criação da primeira Fundação Estadual de Cultura – Fundesc, sob a liderança do professor Fernando Lins de Carvalho, durante o governo de João Alves Filho. Foi um período de júbilo para a cultura, pois uma equipe composta por artistas, intelectuais e jornalistas inflamou o cenário cultural local com projetos como Novo Canto, Pano de Boca, Rodoviarte, Projeto 6:30 e Projeto Fim de Tarde, entre outros, dando vida a uma política de fomento cultural que se mostrou produtiva e eficaz. Nomes como Núbia Marques, Maria das Graças e Amaral Cavalcante deixaram sua marca na trajetória da Fundesc, erguendo as bases para o que viria a seguir.

Em um encontro marcante com o Governador Antônio Carlos Valadares em São Paulo, ousei sugerir a criação da Secretaria de Estado da Cultura, inspirado pelo dinamismo da secretaria paulista, que então despertava admiração generalizada. Propus ainda que um sergipano de projeção nacional como Joel Silveira fosse convidado para liderar essa empreitada.

De volta à minha terra natal, reencontrei uma constelação de artistas e intelectuais dedicados, como o Professor Aglaé D'Avila Fontes, Luiz Antônio Barreto, Jackson da Silva Lima e Fernando Soutelo, cujo incansável trabalho e comprometimento ainda ecoavam com a defesa fervorosa da cultura. Em diferentes momentos, cada um desses gigantes da intelectualidade sergipana esteve à frente da gestão cultural, em diversos órgãos como a Secretaria, a Fundação ou os departamentos. Cada um, a seu modo singular, tentou moldar a gestão pública em busca de um ideal superior.

No centro desse fervilhar cultural, despontou a figura imponente da Professora Aglaé, verdadeira guardiã do Centro de Criatividade, cuja alma ressoa com os ecos do teatro, da arte educação e da cultura popular. Sob sua égide, uma profusão de projetos floresceu nesse viés, enraizando-se na essência mais profunda de nossa identidade.

Núbia Marques, poeta extraordinária e revolucionária por natureza, também deixou sua marca indelével na gestão cultural, impulsionada por seus interesses e paixões inabaláveis.

Contudo, foi sob a égide da Professora Eugênia Teixeira que testemunhei uma gestão que me arrebatou de entusiasmo. Com seu profundo conhecimento e apreço pela cultura erudita, Eugênia desdobrou-se em uma infinidade de projetos e propostas em todas as áreas culturais, emulando os feitos de Fernando Lins. A chave para o sucesso de sua gestão residia na equipe que ela formou, sob a coordenação de um jovem talento multifacetado da Fundesc, Irineu Fontes. Com nomes como Lindolfo Amaral, Ana Medina, Ana Conceição, Aglaé Fontes, Luis Carlos Dy Santi, Silene Lazarito, Antonio Amaral e outros notáveis técnicos, a equipe combinava juventude, ousadia, conhecimento e experiência de forma exemplar. Foi assim que nasceram projetos como o Gonzagão Forró e Arte, o Festival Nosso Canto de Música Junina, os primeiros editais para os setores culturais e a realização de mais de 150 cursos e oficinas de arte em todo o Estado. Tradições outrora esquecidas foram resgatadas, como as Karetas de Ribeirópolis e os Cabeções de Estância, enquanto projetos vitoriosos das gestões anteriores foram mantidos e fortalecidos, como o Novo Canto, o Rodoviarte e os Festivais e Encontros Culturais.

Luiz Antônio Barreto, ao assumir a Secretaria, conferiu-lhe um peso e uma importância sem precedentes na história cultural de Sergipe, estabelecendo institutos, departamentos e unidades dedicados à memória, documentação, fomento, história e cultura popular. Sua vida foi dedicada à preservação de nossa cultura, sempre harmonizando-a com as influências ibéricas e africanas. Ao seu lado, destacava-se Irineu Fontes, o mesmo da gestão de Eugênia, coordenador incansável, cuja eficiência e comprometimento não passavam despercebidos. O elo entre o passado e o presente, Irineu revitalizou o Gonzagão Forró e Arte, produziu discos celebrando a cultura popular e coordenou uma miríade de eventos culturais de destaque.

A trajetória de Irineu Fontes é marcada por um profundo amor e dedicação à cultura em sua totalidade. Reconhecido como um dos melhores gestores culturais do país, seu percurso o levou a assumir a Secretaria Municipal de Cultura de Laranjeiras, onde transformou a cidade numa referência nacional. Em seu mandato como Secretário Municipal de Cultura de Laranjeiras, Irineu Fontes desencadeou uma verdadeira revolução cultural que transformou a cidade numa referência nacional, aclamada e respeitada em todo o Brasil. Sob a liderança visionária da prefeita Ione Sobral, Irineu recebeu carta branca para agir, e voou tão alto que se tornou um ícone da gestão cultural em âmbito nacional.

Em um movimento sem precedentes, Irineu introduziu a Lei dos Mestres da Cultura Popular, pioneira no país. Essa legislação única permite que a gestão pública selecione até quatro mestres por ano, reconhecendo-os com uma valorização financeira significativa: dois salários mínimos por mês, além de um prêmio vitalício concedido por meio de um edital transparente. Essa iniciativa não apenas honra os mestres de nossa cultura, mas também os sustenta financeiramente, reconhecendo seu papel crucial na preservação e disseminação de nossas tradições.

Além disso, Irineu modernizou e fortaleceu a gestão cultural da cidade, estabelecendo o Sistema Municipal de Cultura, elaborando um plano estratégico, criando um conselho, um fundo e um cadastro municipal de cultura. Laranjeiras tornou-se o único município em Sergipe com todo o CPF da Cultura devidamente aprovado e sancionado pela gestão.

Revitalizou eventos tradicionais como o Encontro Cultural, a Micareme, o Lambe Sujo e o Caboclinho, e introduziu novos prêmios e festivais culturais, como o Café Cultural e o Sarau lá em Casa, Concurso de Poesia João Sapateiro, Festival Nacional de Monologo, Premio João Pinheiro de Teatro. Criou a Galeria Horácio Hora, Largo das Esculturas e o cine Clube Candido Aragonez de Faria, além de Palestras, Seminários e Fóruns. Apoiou ativamente os terreiros e todas as religiões, além de artistas, músicos, artesãos e brincantes da cultura local, promovendo uma atmosfera de inclusão e celebração da diversidade cultural. Respeitando e ouvindo todos.

Em resumo, a gestão de Irineu Fontes em Laranjeiras não apenas elevou a cidade ao status de Capital da Cultura Popular, mas também estabeleceu um modelo exemplar de como a cultura pode ser gerida de forma eficaz, inclusiva e sustentável, tornando-se um farol de inspiração para outros municípios em todo o país.

Posteriormente, como Secretário Executivo da Cultura do Estado, e à frente da Secretaria, sua visão audaciosa e comprometida impulsionou a cultura sergipana a patamares antes inimagináveis. O trabalho incansável de Irineu Fontes se fundamenta em um conceito sagrado: valorizar, preservar, respeitar e garantir a sustentabilidade dos fazedores e artistas que dão vida à nossa cultura. Essa abordagem meticulosa o conduziu à presidência do Fórum dos Secretários e Dirigentes de Cultura do Estado, assim como à vice-presidência do Fórum Nacional das Capitais e Regiões Metropolitanas. E Vice Presidência do Fórum Nacional dos Secretários de Estado. Sua trajetória culminou em uma grande vitória para a cidade de Laranjeiras, quando venceu as eleições contra o ex-ministro Juca Ferreira, então Secretário de Cultura da cidade de São Paulo, consolidando o reconhecimento nacional de Laranjeiras como a Capital da Cultura Popular.

Reconhecido como o melhor gestor cultural de Sergipe e um dos mais destacados do país, Irineu foi convocado a assumir a Secretaria Executiva da Cultura de Sergipe, ao lado de Elber Batalha. Em apenas um ano, sob sua liderança, a cultura sergipana despertou o interesse e o entusiasmo do Governador Jackson Barreto, que, em um movimento político sem precedentes, nomeou Irineu o primeiro funcionário do quadro da Secretaria à frente da pasta, no lugar de Elber, que se afastou para se candidatar.

O legado deixado por Irineu Fontes e sua equipe para a cultura deste pequeno estado é verdadeiramente histórico. Mantendo os projetos existentes e criando novos editais, como o Encontro Nordestino de Cultura, a Ocupação da Galeria J. Inácio, o Auxílio Viagem, o Corredor Cultural e o Festival Um Banquinho, Uma Canção, eles concluíram o Plano Estadual de Cultura e estabeleceram a Lei do Patrimônio Imaterial. Ao lado do governador, conseguiram atrair investimentos privados para obras fundamentais, como o Teatro Tobias Barreto, a Biblioteca Pública, o Arquivo Público e o Teatro Atheneu.

Renovaram o Conselho Estadual de Cultura, aprovaram o Sistema Estadual de Cultura e criaram a Lei da Cultura Viva (Lei dos Mestres), além de implementar o projeto Dan-se e reativar a Orquestra Jovem de Sergipe com o apoio do Instituto Banese. Introduziram prêmios e fortaleceram a necessidade urgente de os artistas se organizarem e buscarem informações e formação para participarem dos editais em todo o país.

O trabalho incansável de Irineu Fontes e sua equipe deixou uma marca indelével na história da cultura sergipana, elevando-a a patamares de excelência e reconhecimento nacional. Sua visão, determinação e comprometimento demonstram que, quando a cultura é priorizada e gerida com sabedoria, ela se torna um motor poderoso de transformação e desenvolvimento para toda a sociedade.

Irineu, ou Neu Fontes, é um líder nato, cuja preocupação central reside não apenas no que é feito, mas também naqueles que fazem acontecer. Em um dos nossos encontros informais nos corredores de um shopping, ele compartilhou comigo um sonho grandioso: a criação da Escola Técnica de Arte e Cultura de Sergipe. Seu desejo ardente é transformar a cultura em um setor verdadeiramente produtivo e sustentável, não apenas para o Estado, mas também para todos os que se dedicam a moldar essa riqueza cultural.

Sua filosofia é clara e direta: "Festa não é cultura; ela é parte dela, mas jamais será o aspecto mais importante." Essas palavras ressoam como um lembrete poderoso de que a verdadeira essência da cultura vai muito além das celebrações efêmeras; ela reside na preservação, na educação e na capacitação daqueles que são os verdadeiros guardiões e transmissores de nossa herança cultural. Com essa visão, Irineu continua sua jornada, incansavelmente comprometido com o desenvolvimento e a valorização da cultura sergipana.

Com a ausência forçada da gestão da cultura, Neu Fontes teve tempo para se dedicar à sua carreira musical e artística. No ano passado, ele lançou o álbum "Som da História", que conta com 13 canções cronológicas que narram sua jornada como compositor e cantor. Agora, no dia 22 de abril, Neu Fontes está prestes a lançar o livro "Som da História: Uma Viagem Através dos Sons e Histórias que Moldaram a Música Sergipana". Este livro é uma verdadeira imersão nos momentos vividos, presenciados e pesquisados por Neu Fontes ao longo de décadas dedicadas à cultura musical de Sergipe. Com mais de 40 anos de história, este livro é uma leitura imperdível para qualquer amante da música e da cultura sergipana. Esteja preparado para descobrir os segredos e os encantos por trás da rica história musical desta Terra!

*Pedro Valadares, jornalista