Cora Coralina é inspiração para artesãs e doceiras na Cidade de Goiás

Publicado em 08/06/2018 as 14:15

“ Minha vida.../Quebrando pedras/ e plantando flores./Entre pedras que me esmagavam/ Levantei a pedra rude/ dos meus versos””.

Ao conhecer os versos de Cora Coralina, a artesã Ivana dos Passos Souza, de 50 anos, moradora da Cidade de Goiás, deu um resignificado à sua vida e fez da força da poetisa sua própria força.

“Quando a gente lê os livros e vê como foi a vida dela, o quanto foi uma mulher dinâmica, por tudo que ela passou, as dificuldades, e foi crescendo, acabamos vivendo um pouco do que ela viveu. Cora foi uma mulher muito forte e conseguia passar isso para o papel. Quando alguém está com algum problema, as mulheres conversam e vamos pegar a força de Cora, ela poderia ter desistido, mas continuou”, disse Ivana.

A artesã faz parte de um grupo de 50 mulheres da Associação Mulheres Coralinas que, em todo encontro, leem um poema de Cora Coralina e conversam sobre ele. Além de ser uma rede de apoio, por meio da associação elas agregam valor com a poesia de Cora ao artesanato que produzem. Ivana faz bolsas de tecido e consegue vender mais as que são bordadas com poemas da poetiza. “Se não tiver a frase, não vende.”

Diferente de Cora Coralina, que além dos versos encantava as pessoas com seus doces glaceados, Ivana não é “muito chegada a fazer doces”. Mas teve a oportunidade de aprender a fazer o alfenim, doce tradicional da Cidade de Goiás, na oficina de gastronomia realizada durante o 20º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), que ocorre até domingo (10) na cidade.

Hoje, apenas uma das antigas doceiras da cidade, dona Silvia Curado, sabe fazer o doce, que leva açúcar, limão e água, além do amido de milho ou polvilho, para dar liga. O culinarista regional Rafael Lino foi quem ensinou as cerca de 15 mulheres a produzir o alfenim.

Rafael aprendeu a receita quando morava em Goiânia. É um doce melindroso de se preparar, que se come mais pela beleza que pelo sabor, segundo Rafael. “Ele tem que ser trabalhado rápido e requer certa criatividade artística. O alfenim é diferente, não pelo gosto, mas pelas artes”, disse, revelando que sabe moldar copos de leite e pombinhas de alfenim. É um doce de origem árabe, trazido pelos portugueses ao Brasil e seu nome significa "brancura".

Para o culinarista, o resgate que a associação faz, é, antes de tudo, de identidade. “São mulheres que, por uma circunstância ou outra da vida, tiveram que deixar o cargo de dona de casa e ir para mercado de trabalho. E fazer isso, depois dos 40, é difícil. Então, a associação diz: volte às suas origens que você vai conseguir o seu sustento”.

O estudioso da culinária goiana conta que muitos dos doces feitos na Cidade de Goiás são reinvenção dos doces portugueses, como o famoso pastelinho. Mas alguns são criações locais, como o doce de melancia cristalizado e o limãozinho recheado com doce de leite. Segundo Lino, Goiás absorveu muito da culinária tropeira no jeito de produzir alimentos de fácil conservação. São três os tipos de doces secos feitos na cidade: as passas, os cristalizados e os glaçados. A técnica dos glaçados é muito antiga e seu aprimoramento se deve graças a Cora Coralina, que fazia esse tipo de doce.

Mulheres Coralinas
A professora de literatura Ebe Siqueira, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), é a presidente da Associação Mulheres Coralinas, criada há dois anos. A entidade nasceu como projeto para o empoderamento de mulheres, como iniciativa de combate à violência. “Agressões de todo porte, inclusive essa violência simbólica que a maioria das mulheres vive.”