Caso Marielle está encerrado para a PF

Publicado em 25/05/2024 as 18:58

 Com a entrega na última quinta-feira (23) do relatório complementar da Polícia Federalao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a corporação dá as investigações acerca do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes como encerradas.

Em termos de investigações, ainda faltariam ser colhidos os depoimentos do trio preso como mandante do crime: os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, deputado federal e conselheiro do TCE-RJ, e do delegado Rivaldo Barbosa, então chefe da Polícia Civil. As oitivas foram determinadas por Moraes e os réus estão à disposição da Justiça em três presídios federais diferentes.

A Procuradoria-Geral da República já ofereceu uma denúncia em 9 de maio e agora caberá a Moraes aceitá-la ou não. Ao que tudo indica, aceitará. Mas, por enquanto, segue aberto o prazo para as manifestações das defesas, que ainda pedem acesso a informações completas da denúncia e das investigações. Terminado esse período, Moraes deve decidir sobre a denúncia.

Em caso positivo, os irmãos Brazão e Barbosa finalmente serão ouvidos pelas autoridades e os processos contra eles e outros réus se desenrolarão na Justiça. Em caso negativo, o magistrado decide se arquiva o caso ou pede a produção de novas provas.

 

Com base na denúncia da PGR, a Polícia Federal prendeu o ex-assessor de Domingos Brazão, Robson Calixto da Fonseca, conhecido como "o Peixe", e o policial militar Ronald Alves de Paula, o Major Ronald, apontado como ex-chefe da milícia de Muzema, que atua na zona oeste do Rio de Janeiro. Ambos foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República como participantes do atentado.

Na peça apresentada ao STF, a PGR ainda detalha como o assassinato de Marielle Franco foi arquitetado e aponta o Major Ronald como o responsável por vigiar a vereadora, mapear o seu dia a dia e arquitetar o seu assassinato.

De acordo com a PGR, Ronald, que monitorava as redes da vereadora, tomou conhecimento do evento que ela participaria na Casa das Pretas, no dia 14 de março de 2018, que fica na Rua dos Inválidos e telefonou para Edmilson "Macalé", que fazia a ponte com Ronnie Lessa, o ex-policial que executou Marielle Franco, e repassou as informações do Major.

Além disso, a PGR afirma que o local de execução de Marielle Franco foi escolhido pelo delegado e ex-chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. O objetivo é que o crime fosse cometido longe da Câmara dos Vereadores para "evitar conotação política do crime".

Revelações do relatório complementar

Entre as revelações do relatório complementar da PF está o caso doinspetor Renato Machado Ferreira, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que pesquisou o pai da vereadora no sistema interno da corporação em 21 de fevereiro de 2018, quase um mês antes das execuções.

Em depoimento à PF prestado em 9 de abril de 2018, logo após o crime, o inspetor Ferreira confirmou a pesquisa, mas disse que não se lembrava o motivo ou o nome da pessoa pesquisada. Ele falou à Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que estava responsável pelas investigações, e após prestar o depoimento, a corporação não deu sequência ao inquérito e o agente não foi indiciado.

Naquela época, Ferreira trabalhava na Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos em Pedra de Guaratiba e já era apontado como suspeito de ter ligações com milícias. O bairro em que trabalhava já estava no mapa da expansão imobiliária das milícias. A CPI que tratou o tema na Assembleia Legislativa (Alerj) entregou um relatório em 2008 que dizia que policiais da delegacia de Ferreira recebiam propinas dos grupos criminosos.

Nesse contexto, Marielle foi uma das principais opositoras do projeto que discutia questões de zoneamento em Pedra de Guaratiba. A lei era de interesse dos grupos que especulam na região, como os milicianos, e regularizaria uma série de terrenos apropriados pelos criminosos. Foi aprovada em 2017.

Há ainda o caso de Rodrigo Pimentel, ex-policial militar que integrou o Bope e ficou famoso por escrever o livro ‘Elite da Tropa’, que serviu de base para o filme ‘Tropa de Elite’. Ele também foi comentarista de segurança na Globo e agora está sendo acusado pela Polícia Federal de ter atrapalhado as investigações do caso Marielle Franco.

De acordo com o documento dos federais, Pimentel teria dado entrevistas à imprensa criticando o direcionamento das investigações e apontando supostos erros cometidos pelas autoridades, o que embaralharia a opinião pública e traria desgastes para o andamento dos trabalhos policiais. A PF diz que ele tomava tal conduta por orientação da família Brazão.

Outra questão investigada pela PF é a relação próxima entre Pimentel e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, também preso sob acusação de ser outro mandante do assassinato. Rivaldo era um policial profundamente envolvido com as milícias do Rio e era figura presente em regiões dominadas por esses criminosos na capital fluminense e na região metropolitana.

Rodrigo Pimentel se manifestou nesta sexta-feira (24) à rádio BandNews FM e afirmou que criticar uma investigação não é algo ilegal ou criminoso. Ele falou ainda que teria sido o primeiro comentarista do setor de segurança a citar que os irmãos Brazão deveriam ser investigados, negando qualquer contato com a família de políticos. Em relação a Rivaldo Barbosa, o ex-PM do BOPE disse que há mais de 15 anos que já indicou os serviços de segurança da empresa do delegado a algumas pessoas, mas que jamais manteve relação comercial com ele.

Por fim, a PF encontrou arquivos de delações premiadas sigilosas num HD de Domingos Brazão. Todas as gravações o incriminavam em algo. O material, que inclui uma colaboração que continua sob sigilo, foi encontrado pela Polícia Federal (PF) na casa do ex-deputado.

A PF identificou, inclusive, “atos tendentes à criação de obstáculos à investigação ou à incolumidade de investigadores e terceiros”, de acordo com reportagem de Johanns Eller, no blog de Malu Gaspar, em O Globo. O disco rígido foi apreendido durante a operação em que Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) e ex-deputado, foi preso preventivamente.

O HD continha termos de declaração de delações sigilosas do ex-presidente do TCE, Jonas Lopes Filho, e de seu filho, Jonas Lopes Neto. Ambos implicaram Brazão em um esquema de corrupção que levou à Operação Quinto do Ouro, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro. A colaboração foi fundamental para colocar o ex-deputado na cadeia em 2017.

Domingos Brazão ficou afastado do TCE, entre 2017 e 2022, e retomou a função em março de 2023, após decisões do STF e do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ).