Tábua que cupim não rói

Publicado em 24/05/2024 as 11:36

Olá gente boa,

Parece que o mercado do “Show Business” levou um choque de 220V com o cancelamento das turnês das divas brasileiras Ivete Sangalo e Ludmilla. A turnê seria promovida pela 30e, uma produtora novata que já mandou bem nas turnês dos Titãs e nos shows do grupo Soweto.

Li e assisti várias reportagens sobre o assunto, que apontam diversas causas para o cancelamento. Ivete comentou: “A realização de um projeto dessa magnitude exige a mobilização de uma estrutura complexa, que só se viabilizaria se houvesse um nível de planejamento e organização adequados”. Já Ludmilla foi mais direta e disse que a produtora responsável não cumpriu “as condições previstas no pré-contrato para a viabilidade dos shows”.

Os especialistas, como a revista Billboard Brasil, destacam que as produtoras precisam ter muito cuidado com os altos investimentos, normalmente sem limite, o que torna os shows caríssimos. “Se você fecha com um artista, mas não impõe limites na planilha, ele vai querer gastar muito e ter o máximo de produção. Às vezes, você enche o estádio e ainda assim não paga a conta”. Outros maldosos dizem que Ivete há muito não enche seus shows porque ela é uma artista de trio elétrico que todo mundo vê de graça nos carnavais e micaretas.

E vamos combinar: nesse país com salário mínimo de R$ 2.200,00, quem é que pode pagar um ingresso de R$ 500 a R$ 3.000? Tá difícil! A verdade é que estamos chegando a um tempo em que essas grandes estruturas, sustentadas pelo capitalismo feroz, estão desmoronando. A indústria do entretenimento prospera no modelo de “quanto pior, melhor”. Investem na artista do momento com uma lógica de “Pilhagem Absoluta” (furto ou roubo indiscriminado de bens alheios). Mega shows são bombardeados com artistas e celebridades de cachês nas alturas, sustentados pelo tamanho de suas redes sociais. É um modelo piramidal privado, que os governos alimentam como se fossem empresários artísticos. E é por isso que ainda sobrevivem.

Esse sistema é alimentado por um modelo de “Mercado financeiro de ativos futuros”, com valores antecipados com base em bilheterias de shows ainda não realizados. Para diminuir os riscos, as produtoras deixam de lado os shows pequenos e médios e buscam eventos cada vez maiores. Assim, inflaciona-se todo o mercado: do som aos painéis de LEDs, dos mega palcos até o cachê dos músicos e, claro, o artista principal. Esse esquema de pirâmide tem um financiador na base, o público, que tem que pagar ingressos astronômicos para ver artistas da internet do momento. A consequência é que o público fica sem condições de pagar, a base enfraquece, as vendas caem e, consequentemente, a pirâmide desaba. Os mega eventos estão destruindo a cultura dos pequenos e médios fazedores e eventos culturais, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Os artistas estão perdidos, pois os custos de um show foram às alturas, e não conseguem mais esses investimentos. Claro que não querem se ajustar à realidade, e ainda têm receio do público, que pode cancelá-los nas redes.

No cinema, a história se repete. Os grandes estúdios estão reduzidos a “Blockbusters” filmes produzidos de forma exímia, populares e financeiramente bem-sucedidos. A palavra “blockbuster” é usada na língua inglesa também para descrever um remédio comercializado com sucesso, sem contraindicação, claro. A indústria do cinema virou uma fábrica de “remakes” (refilmagem), franquias batidas e adaptações repetitivas de quadrinhos. Em tempos de “nerds”, os conglomerados buscam ganhar dinheiro com a idiotice humana.

Ouvi recentemente de uma pessoa que a cultura, a música e as artes estão piores por causa da cultura “Woke” (estar consciente sobre temas sociais e políticos). Claro que é um filhote de reacionário que, na sua pequenez, não respeita a vida. O que tenho a dizer é que quem está matando a cultura, as artes e a música é o capitalismo extrativista e perverso.

Com sua economia de atenção das ”big techs” (grandes empresas de tecnologia), viciam as pessoas, principalmente os jovens, em telas e cliques. Trazem a ilusão de contato direto (virtual) com ídolos, pessoas, sentimentos e vida. Transformando todos em “Swifts”, seres viciados em telas atrás de algo que eles mesmos não sabem o que é. E assim buscam mensagens secretas e escondidas em cada foto, vídeo e letra. As canções são só um meio de reforçar esse vício. O que interessa é o ‘trailer”, o “spoiler”, o vazamento, a fofoca, o “hype histriônico” nas redes sociais. E assim temos um surto coletivo. No mesmo sentido, tudo se aplica ao agronegócio, ao extrativismo brasileiro e à política. Por tabela, isso contribui para desastres ambientais como o do Rio Grande do Sul ou eleições fascistas em todo o mundo.

Além do Realismo Capitalista de Mark Fisher, a crença de que não temos alternativa ao capitalismo, pois vivemos uma era do “Realismo Piramidal”, a era do golpe da pirâmide. E a cada golpe, muitos entendem que é um crime e que, logo, a pirâmide cairá. O vencedor é quem conseguir escapar com o maior número de dinheiro. Eles já sabem e dizem: “Sei que vai dar merda, mas antes vou sugar até o caroço”.

Bilionários preferem investir em ir a Marte do que trabalhar para acabar com a fome ou cuidar do único planeta que deu tudo o que têm, a Terra. Os “novos cristãos” estão na batalha de Deus contra o diabo pelo fim do mundo, nesse caso, eles são os únicos filhos do poderoso que vão se salvar contra os comunistas, filhos do Demo, que devem sucumbir. Já os políticos preferem alimentar as favelas, afogar e matar a cultura e a educação, do que ter uma sociedade igualitária e pensante. E assim, uns buscam outros planetas, outros a salvação divina. E outros alimentam a incapacidade de pensar e reagir.

O jogo está em franca decadência, é o que eles acreditam. Agora, só resta pegar o que sobrou e esmagar os que não podem controlar. Assim como fizeram com os índios, os africanos e agora em Gaza. Na música, os pequenos e médios artistas da terra, como são chamados, que se cuidem, eles estão na lista da dispensa.

Mais a nossa cultura e arte é mais forte e sobrevivera. Somos tábua que cupim não rói.

*Neu Fontes, cantor e compositor.

*Publicada originalmente no blog neufontes.com.br