Neo do Neo

Publicado em 12/06/2024 as 15:09

É sempre prazeroso um encontro com Zé do Mercado, uma pessoa impar da cidade de Itabaiana, a famosa cidade Pedra Baiana. Em um desses encontros, reclamei da insensibilidade dos governantes em relação ao meio ambiente. Ele prontamente disparou: “isso é neo, cara. Uma pessoa rouba o dinheiro público, outra lesa os consumidores, outra derruba as florestas e manguezais, outra transforma o bandido Lampião em herói, outra mata doze mulheres e só cumpre um terço da pena, todas são Neos, Ivan”. Afinal, o que é Neo, Zé? Ele deu um sorriso Pica-pau, dizendo: “Neos são as pessoas que tudo podem ser ou fazer, segundo sua imperiosa vontade, e que se dane o mundo. Quem pode pode, quem não pode se sacode”.

Fiquei encafifado com essa tese do Zé. No entanto, nada melhor do que a polifonia de um mercado para clarear as idéias, filtrando, é claro, os ruídos das brigas religiosas dos patriotas com os vermelhinhos, pois dessas pelejas nada sai de bom. Em certo momento tive um lampejo: essa teoria do Zé explica muitas coisas. É verdade. Estamos em tempos dos Neos. Ou melhor: do neoliberalismo.

Que proclama o neoliberalismo? Essa doutrina não diz que você é um super-homem, que tudo pode, bastando ter competência para vencer a luta de todos contra todos? O Neo como é casado com o Pós-modernismo, sua alma gêmea, não alardeia que todas as verdades são relativas, portanto, a verdade que se impõe é aquela guarnecida pelas hostes do poder? Não diz que valores culturais de uma comunidade é uma velharia a ser descartada, pois o que existe é uma aldeia global, povoada por consumidores ávidos por produtos neos? Não diz para os vencedores se apossarem das florestas e rios, cercarem o mar, ansiando por lucros? Entretanto, os vencedores são poucos e os perdedores precariados são muitos, e o que sobra para eles? Palavras consoladoras de um certo ministro do STF: “perdeu, Mané”.

Os Neos não dão prego sem estopa. Disfarçam muito suas reais e verdadeiras pretenções. Entretanto existem alguns que falam de forma direta e agressiva, e por incrível que pareça, estão em franco crescimento. Já os Neos mansos, todas as ações são concatenadas. Por exemplo: a lei penal é flexibilizada por suaves penas, medidas alternativas, progressividade penal, e não raras vezes, por interpretações exdrúxulas de juízes legisladores, com o fundamento de humanizar as penas, mas no fundo, lá no fundo mesmo, estão suavizando a punição dos atos egocêntricos de pessoas que pensam que tudo podem fazer. Protegem o indivíduo e desprotegem um conjunto de pessoas que que chama de comunidade. Um casal de pombinhos psicóticos mata a atriz Daniela Peres com requintes de crueldade ritualista, e estão gozando a vida, prontos para mais outras aventuras. Esse sistema penal não protege o cidadão, mas os Neos, os cultivadores da psicose de tudo querer e poder.

O avanço sobre os bens públicos e o processo de desnacionalização, deixa Karl Marx sempre atualizado, quando afirmava que o real Poder estava com a classe dominante. Nada mais real atualmente. E o pior é que boa parte da população aceita essa nefasta tese, votando nos políticos-empresários. Raposas administrando os galinheiros, que hoje ostentam os pomposos nomes de Neos. Entretanto, esses senhores não são tão novos como desejam parecer. Jesus os chamava de Scandulus, e as teorias psicológicas os chamam de psicóticos, mansos ou perversos, dependendo das circunstâncias.


*Ivan Bezerra de Sant’ Anna, advogado