Felicidade

Publicado em 01/09/2024 as 11:37

“A felicidade só é felicidade quando viajamos nos sonhos, observando a vida presente por uma nova janela, espiando com novos olhos”.

Quando caímos de paraquedas no mundo, o ser no mundo, aos poucos descobrimos a imprecisão do mundo, e como disse o grande poeta luso, só o navegar é preciso. Planejamos ações mudancistas para as resoluções das contradições sociais e existenciais, percebendo o fluxo da dialética, no entanto, o tempo que avança na linha da vida nos apresenta o inesperado, o não calculado, as surpresas do acaso, que muitas vezes não passa de uma caixa que esconde ações de outras pessoas inconformadas com nossos projetos, ou mesmo atitudes contraditórias nossas que não passam pelo crivo do consciente. É a falha ontológica, escreveu Hegel; a imprecisão das lutas, alertava Marx; a necessidade na negação da negação, o retorno revisado e ampliado, o alpinista que cai e retorna o subir, escreveu Lenin nos Cadernos Filosóficos; são as consequências do livre arbítrio humano, alertava os religiosos mais esclarecidos.

Por favor, não me confundam com os pós-modernos e seus relativismos niilistas. Acredito nos conceitos filosóficos e científicos que foram testados a aprovados ao longo do tempo, como também acredito na necessidade de revisa-los e amplia-los para explicar, sobretudo, as falhas ontológicas futuras, e é nessas falhas ontológicas que transita a felicidade, o que nos remete a uma tormentosa indagação: o que é a felicidade e em que lugar iremos encontrá-la?

Uma coisa é certa: não iremos encontrá-la em projetos futuristas, embalada por sonhos irrealizáveis ou a deferindo para uma vida após a morte, segundo prega algumas religiões, mas não para todas. Na época clássica, por exemplo, os gregos viam como um prazer vivido, tanto como no plano existencial e erótico, como na ética guerreira do fazer. Mesmo porque os deuses, apesar de poderosos , tinham os mesmos desejos, virtudes e defeitos como os humanos. Já os vikings procuravam a felicidade no dia a dia prazeroso dos encontros sociais, nas festas banhadas a cerveja e sexo, no convívio familiar, e principalmente nos atos guerreiros, que iriam lhes permitir o acesso a Vahalla conduzidos pelas Valquírias - as valentes escudeiras -, local que iriam dar continuidade à felicidade terrena. No entanto, para estar ao lado de Odim tinham que merecer, ou seja: ser feliz na terra, praticando os prazeres existenciais e sendo grandes guerreiros.

Os gregos e vikings, apesar dos tropeços da vida, do acaso, das falhas ontológicas, eram felizes e sabiam o porquê. Na atualidade, uma grande parcela da humanidade é infeliz e não sabe o porquê. Não estou a falar de uma parte da humanidade que carece de um mínimo de recursos para sobreviver e ter uma vida digna, pois essa parcela é vítima da ganância dos egocêntricos possuidores de uma grande parte dos recursos financeiros. Estou a falar de pessoas que possuem bens materiais que acham que a felicidade é o querer mais, sempre mais, vivendo em uma ciranda de ansiedade e frustrações, que os levam às crises depressivas, para as rotas dos vícios, buscando pontos de fugas aqui e acolá.

Um certo matemático inglês asseverou que a matemática é tão simples, tão simplória, que precisamos complicar para lhe dar status e glamor. Acho que isso se aplica à felicidade. Ela é tão simples e corriqueira que não a percebemos quando ela desfila a nossa frente. Um sorriso de uma criança desconhecida que nos olha com curiosidade. Um banho salgando em aguas oceânicas e o prazer do abraço salino das águas de maré. Um belo pôr do sol pontuado por surfistas que desafiam o quebrar das ondas e o destino das correntezas. Uma mulher que desfila sorrisos e rebola prazeres, a Tereza da praia que não precisa ser minha para sentir o prazer de vê-la andar. Ver uma garça mariscando. “Que graça! Mesmo em águas da desgraça, faz pirraça”. Uma musica que escuto com voos da imaginação; um texto que escrevo pelo simples prazer de brincar com as palavras, goste ou desgoste a quem quiser. Tudo isso e mais ainda, faz o meu mundo mais de que tudo, em um mundo menos que nada. Caetaneando em ventos Velosos: sem lenço e documento de posse. Buscar a felicidade no aqui e no agora é retirar do caminho do crescimento, as repetições e simetrias que tando agradam ao destino E o futuro? O amanhã que cuide de si!

Mesmo com as dores, os desafios do acaso, devemos desempenhar o nosso papel autêntico e sem plágio, lutando para salvar o mundo sem julgarmos ser os salvadores; sorrimos, brigamos, temos raivas, mas sempre sentindo prazer no que fazemos, assumindo responsabilidades, e sendo feliz em não sermos vítimas do mundo. Assim, sem desconhecermos as nossas fraquezas, não precisamos de um Deus julgador para nos guiar, pois descobrir que um Deus dança em nós, só podemos acreditar em um Deus lúdico e feliz que goste de dançar. Dessa forma, como canta o Pagodinho, “deixo a vida me levar, vida leva eu”.

E dessa maneira,, canto eu:

Se a vida é um sopro
Deixo-me soprar
Vivo os dias
Com o assopro do mar
Quando os ventos assim quiserem
Deixo-me levar

Ivan Bezerra de Sant’ Anna, advogado