O VICIADO EM MÁGOAS

Por: Tati Vidal

Publicado em 19/02/2018 as 09:32

Jonas era um rapaz simples que vivia em uma aldeia em Sortilópolis. Trabalhava no campo, enxada na mão, sementes nos bolsos, uma grande sacola no lombo e o peito repleto de mágoa mal resolvida.

Aprendera desde muito cedo a beber água de mágoa. Sua mãe, Dona Clotilde, sem querer deixava cair pequenas porções de mágoa guardada toda vez que preparava sua mamadeira e, mais tarde, suas refeições.

Dona Clotilde era uma senhora muito caridosa e sempre procurava ajudar a quem pudesse, ensinando a lição ao seu filho Jonas. Jonas cresceu com brilho nos olhos, bom coração e com o desejo constante de se doar e ajudar os seus.

Todas as noites, antes de dormir e após o café, Dona Clotilde contava aos filhos seus belos feitos. Contava histórias sobre magos, doentes, cachorros de um olho só, sanguessugas e do grande perigo da cobra da ingratidão.

Dona Clotilde contava que, por vezes, fora mordida por essa serpente traiçoeira em suas peregrinações para ajudar ou acolher o próximo. O veneno injetado por essa cobra chamava-se Mágoa.

Não matava na hora, mas seguia circulando pelo corpo e se instalava principalmente no cérebro e no coração, dificultando a pulsação e o raciocínio lógico.

Quando a mágoa se alastra, ela domina tudo, consome o amor, o carinho e a vontade de viver. Vai gelando o sangue até diminuir o raciocínio e parar o coração. Jonas conheceu Marluce que lhe ofereceu um belo mundo cheio de possibilidades.

Marluce era cheia de vida. Sorria, seus olhos brilhavam e ela corria loucamente pelo campos floridos da vida. Sempre com os bolsos abarrotados de sementes, queria plantar sorrisos em todos os corações.

Alguns sorrisos eram confundidos com beijos, pois o carinho exalava um forte cheiro nas sementes. O cheiro do carinho era afrodisíaco e um belo fortificante para outras sementes; por isso, Marluce sempre encharcava suas sementes de carinho.

Fora alertada muitas vezes que o cheiro do carinho podia alimentar outras sementes e atrair olhares ou ervas daninhas. De fato, teve algumas colheitas perdidas por deixar crescer flores diferentes dos seus belos frutos de sorrisos e amizades.

Mas não por isso parava de jogar fartas doses de amor e carinho em tudo o que plantava. Gostava daquele cheiro doce entranhado em suas coisas.




Tati Vidal

Tati Vidal - Vocal Coach e Escritora.