Redução de salário abre nova crise entre governo e servidores públicos

Publicado em 05/12/2017 as 12:50

Entidades do funcionalismo público já se mobilizam contra a “modernização da gestão de pessoas” pretendida pelo governo federal, na verdade um plano do Ministério do Planejamento que implicará redução de salários a ponto de equipar as remunerações do servidor público às da iniciativa privada. O projeto, ainda sob elaboração e a ser encaminhado ao Congresso ainda em 2017, visa diminuir os gastos da União com pessoal como forma de ajudar no ajuste fiscal imposto pelo governo Michel Temer. A pasta nega que a matéria entrará na pauta imediatamente e diz que não haverá redução de salários, mas admite que “deverá ser postergada para 2019 a data de efetivação da medida”.

O assunto revolta entidades do funcionalismo. Desde agosto, quando o assunto veio à tona, grupos como Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) e Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) passaram a denunciar o “desmonte do funcionalismo público” e reforçaram a disposição para greves gerais. Na versão oficial, o governo diz querer conter o ritmo de crescimento da folha de pagamentos em quase R$ 70 bilhões em dez anos e reduzir em 70% o custo médio dos funcionários públicos, apenas com a diminuição do salário inicial. Em 20 anos, almeja o Executivo, o objetivo é cortar em R$ 294 bilhões os compromissos com salários. Mas, para entidades como o Sindicato dos Gestores Governamentais de Goiás (SindGestor), trata-se de uma forma de colocar a culpa do rombo fiscal no funcionalismo público – atualmente, a segunda maior despesa obrigatória do orçamento federal (12,6% do total de gastos; Previdência Social, em primeiro lugar, consome 57,1%).

“Estamos começando uma movimentação nacional, uma articulação nacional no Congresso para tentar barrar isso”, disse à reportagem o presidente do Sidgestor e da Federação Nacional de Carreiras de Gestão de Políticas Públicas (Fenagesp), Eduardo Aires, para quem o governo aproveita um relatório do Banco Mundial, encomendado pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy e entregue à equipe econômica de Temer, para tentar justificar a política de redução salarial. Eduardo trata do assunto no artigo intitulado “Diminuir salário de servidor para enfrentar deficité tapar sol com a peneira”, que este site leva ao ar neste sábado (2).

Intitulado Um Ajuste Justo – Análise da Eficiência e da Equidade do Gasto Público no Brasil, o relatório encaminhado em 21 de novembro aos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) diz que o país ainda sofre com a ineficiência da gestão pública e gasta excessivamente com a remuneração e a estrutura do funcionalismo, situação que impõe corte de privilégios e redução dos custos com pessoal. Além disso, o trabalho expõe as discrepâncias salariais do mercado de trabalho, em um contexto de valores muito superiores reservados à remuneração do servidor público em relação aos trabalhadores da iniciativa privada.

“Eles leram errado o relatório. Nos texto eles [analistas do Banco Mundial] falam, principalmente, de distorções no Legislativo e no Judiciário. Nós vamos nos articular para mostrar que o relatório não foi lido na íntegra, que só foram pinçadas as partes que interessavam para o governo criar o discurso”, acrescentou o dirigente, acusando o governo de manipular informações sobre os supostos privilégios dos servidores e, consequentemente, de colocar a população contra a classe.

“Quem vai criticar uma medida do governo que vai reduzir gastos? Ninguém critica – nem nós, gestores públicos, servidores. Achamos que o caminho é esse mesmo. Só que eles estão querendo imputar a responsabilidade sobre o deficit público ao serviço público. Falam que o Banco Mundial está dizendo que esta é a razão. Mas não é. O relatório do Banco Mundial não diz isso”, arrematou Eduardo Aires.

O dirigente diz ainda que o governo, com o discurso de cortar privilégios no serviço público, distorce a realidade com a proposta de redução salarial. “Eles dizem: vamos fazer a isonomia [salarial]. Mas é economia de uma conta que ainda não foi feita, porque não vai reduzir o valor de quem já está [na folha], mas vai reduzir o inicial da carreira, ou seja, só para quem vai entrar por concurso nos próximos anos  o que, pela PEC do Teto de Gastos, provavelmente nem vai ter”, lamenta o presidente do SindGestor, referindo-se à Emenda Constitucional 95, uma das primeiras providências legislativas da gestão Temer, que engessou o gasto público pelos próximos 20 anos.

O plano

Segundo o plano de reformulação de política salarial, o salário inicial para ingresso na carreira de gestor, que exige nível superior e é um das cerca de 250 carreiras do Executivo, cairia de R$ 16,9 mil para R$ 5 mil. Naquela categoria estão analistas do Tesouro Nacional e do Banco Central, por exemplo.

Já para os concursos de nível médio, que inclui técnicos legislativos do Senado e da Câmara, por exemplo, o salário de ingresso cairia para R$ 2,8 mil, no máximo. A depender da situação, como livre destinação de verba de gabinete com comissionados, essa remuneração pode ultrapassar R$ 10 mil na atual legislatura, em ambas as Casa legislativas.

Atualmente, o servidor concursado que entra no quadro da União com salário de R$ 16,9 mil alcança a remuneração máxima da carreira em 13 anos (R$ 24,1 mil). Caso os planos do governo se concretizem, o que promete uma batalha com uma classe de mais de dois milhões de pessoas, o salário de ingresso no funcionalismo não só será reduzido, como também serão impostos 30 níveis de progressão funcional. Além disso, segundo o projeto em gestação, toda e qualquer promoção será concedida por mérito.

A princípio, as mudanças valem apenas para os servidores do Executivo, mas podem ser copiadas pelos demais Poderes (Legislativo e Judiciário), que são independentes e praticam remunerações muito mais altas. Em agosto deste ano, quando foi atropelado pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), no anúncio de um pacote fiscal (rombo de R$ 159 bilhões para 2017 e 2018), o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, deu a senha para o Congresso.

“Vamos mandar [o projeto] para o Congresso para tudo ser aprovado ainda neste ano. Contamos com a aprovação, pois é importante para o país”, disse Dyogo, que ocupou a vaga no Planejamento aberta por Jucá. Considerado um ministro informal da pasta, o senador deixou o Executivo após ter sido flagrado em escutas telefônicas falando em estancar a sangria da Operação Lava Jato. Ele exerceu o posto por cerca de dez dias, no início da gestão Temer.