Gravidade, a voz feminina na poesia de Ellen Maria

Publicado em 17/05/2019 as 09:08

Quando Seu Honorato, o de Balzac, caboclo escritor lá daquela Paris do dezenove, escreveu La femme de trente ans, contando as coisas da bela Julie, não podia imaginar que o século XXI veria a mulher tão bela, tão triste e oprimida quanto, mas dona de uma voz. Não vai muito longe, no cancioneiro popular, trágico e machista ao menos até Vinicius, Miltinho já cantava na década de 60 do XX.

Você, mulher
Que já viveu, que já sofreu
Não minta
Um triste adeus nos olhos seus
A gente vê, Mulher de Trinta

Viria 68, o movimento feminista ganharia força nos anos posteriores à ditadura e se veria numa encruzilhada nos dias de hoje, de fascismo e brutalidade, em que à mulher é relegado um salário, um valor inferior. Viria o Mulherio das Letras, viriam Regina Dalcastagné, Maria Valéria Resende e Djamila Ribeiro, e tantas outras, a imprimir a voz feminina na Literatura.

Este Gravidade, de Ellen Maria, que apresento, é o livro de uma mulher adulta, independente, no viço da juventude e auge da fala. Explora as fases da vida de uma mulher contemporânea, a maternidade latente, que ainda não se consumou, a reminiscência da infância ainda conservada no corpo e a ciência de que já se vai fazer como a mãe, ou a avó. E geracional e feminino. Li-o de uma assentada, e explico porque tanto me toca: minha netinha fez um ano, minha filha parece a autora e está hoje, que já é mãe, muito próxima da minha própria mãe, que fenece aqui no apartamento ao lado, em roupas de algodão, e vai viver pra sempre. Ao comunicar minha impressão à autora ela devolveu que, de fato, a proposta da obra é mesmo pensar nessas relações femininas e familiares.

Eu ainda não disse, mas creio que ela se viu ali. Ou não, eu que a vi. Não sou, obviamente, um crítico literário, como foi meu saudoso amigo Alfredo Monte. Comecei esta coluneta aqui pra falar dos livros que gosto e dos autores que gosto, sou verdadeiro, mas crítico jamais, as impressões que trago, embora técnicas, são afetivas. Ellen é minha amiga, choramos nos ombros mútuos mútuas desventuras. É uma mulher na plenitude, com sensibilidade e inteligência, e poeta que vem num crescendo desde seu primeiro título, Chacaritas e Gambuzinos, pela mesma nossa editora, Patuá.

As mulheres de hoje iniciam a vida intelectual com mais desenvoltura que no dezenove, aos trinta são já capazes de elaborar uma reflexão madura sobre as gerações, sobre o poder que só elas têm de gerar a vida, de se adaptar à brutalidade opressiva do mundo masculino, tão em voga nestes tempos ditatoriais, em que as minorias perdem o protagonismo e a voz. São elas, e os jovens, quem nos podem salvar desse atoleiro.