Lavagem marca um ano do Cais do Valongo como Patrimônio da Humanidade

Publicado em 10/07/2018 as 09:46

Para celebrar o primeiro aniversário do título de Patrimônio Cultural da Humanidade concedido ao Cais do Valongo pelo Comitê do Patrimônio Mundial, ligado à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), uma lavagem simbólica com água de cheiro foi feita nesta segunda-feira (9) no local por ativistas do movimento negro e seguidores de religiões de matriz africana, ao som dos atabaques e xequerês do Afoxé Filhos de Gandhi.

O Brasil recebeu cerca de 4 milhões de escravos nos mais de três séculos de duração do regime escravagista, o que equivale a 40% de todos os africanos que chegaram vivos nas Américas, entre os séculos 16 e 19. Desses, aproximadamente 60% entraram pelo Rio de Janeiro, sendo que cerca de 1 milhão deles pelo cais.

A ialorixá Edelzuita de Oxalá, representante do Instituto Nacional e Órgão Supremo Sacerdotal da Tradição e Cultura Afrobrasileira, destaca que o ritual da água simboliza a purificação das, como chamou, primeiras religiões do mundo. “Orixá é natureza, a natureza já estava aí antes de qualquer coisa. Representam os quatro elementos básicos: a terra, a água, o ar e o fogo. A lavagem é uma purificação dos afrodescendentes que ainda estão nesse país. É importante para o cais não cair no anonimato e preservar a memória do povo negro”.

A secretária municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Nilcemar Nogueira, destaca que a prefeitura tem trabalhado para valorizar todas as tradições culturais da cidade, independentemente da matriz de origem. “A cidade deve celebrar todos os seus marcos históricos, toda a sua história, principalmente as histórias desconhecidas da população. A ancestralidade do povo negro, a formação da cultura brasileira tem que ser conhecida. A matriz africana é a que precisa ser fortemente trabalhada, uma vez que ela é desconhecida, principalmente por estar fora da historiografia oficial”.

Troca do dia
O antropólogo Milton Guran, que coordenou o grupo de trabalho que elaborou o dossiê de candidatura do Valongo como patrimônio mundial, explica que a lei municipal que instituiu a lavagem determina que a cerimônia seja feita no primeiro sábado de julho, mas que a transferência para um dia de semana esvaziou o ato, que costuma reunir centenas de pessoas em uma festa popular que dura cerca de 5 horas.

“A lavagem do cais é esse momento ecumênico em que todos se reúnem para reverenciar a memória dos que aqui pereceram e se unir em uma prece para que todos possam se integrar e que daqui para frente a vida seja melhor para todos. Foi esse o espírito da lei. Mas estamos assistindo nessa administração municipal o esvaziamento persistente de tudo o que diz respeito à matriz africana na cidade. Assim, a cerimônia foi transferida para uma segunda-feira de manhã, quando todo mundo está trabalhando”.

Segundo a secretária de Cultura, a transferência do dia este ano foi feita a pedido da ialorixá Edelzuita de Oxalá, responsável pela cerimônia, para coincidir com a data do registro como Patrimônio Cultural da Humanidade. Mãe Edelzuita confirma que pediu para transferir o dia e informa que no sábado (14) haverá uma missa campal no Cais do Valongo em homenagem aos ancestrais.

Museu
Após a lavagem, os ativistas fizeram um ato no Centro Cultural da Organização Não Governamental Ação da Cidadania, que fica em frente ao Cais do Valongo, para reforçar o pedido de que o local abrigue um museu de memória do povo negro.

E organizações da sociedade civil argumentam que o complexo está abandonado e corre risco de perder o título concedido pela Unesco.