PAIXÃO É FOGO

Por: Paulo Fernando Morais

Publicado em 14/03/2018 as 22:02

“Você é luz,
É raio, estrela e luar.
Manhã de sol,
Meu Iaiá, meu Ioiô...”
Onze horas da noite. Zomar estava numa parte alta do Conjunto João Alves esperando que colocassem aos seus pés um mundo com merecimento e justiça. Lá embaixo, numa área extensa coberta por luzes cintilantes, nossa Bombaim três por quatro, escondida sob o manto feérico, continuava viva no dia estendido. De um local mais iluminado e distante a imortal música de Wando, Fogo e Paixão, chegava em ondas fugidias. 
“...você é “sim”
E nunca meu “não”...”
Zomar, o projeto de vingador, dentro de sua inutilidade rebelde, planejava a forra. A noite fresca, as luzes de ribalta sustinham a disposição hesitante do herói nenhum. 
Levantava-se, dobrava a cadeira de pano, e caminhava alguns metros, tempo suficiente para retocar o plano que alimentava há seis anos ao percorrer a cidade durante a noite, escolhendo pontos improváveis onde poderia estar o alvo que o deixara sem identidade, e nesses locais de certeiros desencontros, abria sua cadeira, e nela, quieto de corpo e mente disparada, considerava-se seguro, a salvo de qualquer encontro indesejável. Quem haveria de imaginar que nas noites de Aracaju um homem matutava a melhor maneira de explodir a vida de quem esvaziara os sonhos dele? 
Há gente pra tudo, meu Ioiô. Os que têm pensamentos programados, que saem da cabeça com roteiro, e não andejam como peregrinos. Por outro lado, dependendo de quem os maneja, transformam-se em serviçais diligentes, capazes de cumprir missões difíceis, como, por exemplo, contar a Sofia a exata localização, naquela noite, de seu ex-amante, e quais eram as funestas intenções dele com relação a ela. 
Quando Zomar saiu do torpor no qual vegetava todas as noites enxergou um vulto, a dois passos dele.
- É você, cadela Sofia?! Ou Sibila, a mentirosa a seu serviço? 
Houve silêncio. A música de Wando encheu aquele pequeno mundo de ódio:
“......quando tão louca,
Me beija na boca,
Me ama no chão...” 
Na casa de onde vinha a voz do cantor mineiro, o dono do som desligou o aparelho. Foi até a porta:
- Pessoal. O tiro veio de lá. Naquele alto apagaram alguém.




Paulo Fernando Morais

Paulo Fernando Morais é Jornalista e Escritor