O dia em que joguei bola com Lugano

Por: Nestor Amazonas

Publicado em 05/12/2017 as 13:04

O São Paulo se despediu neste fim de semana de Lugano, um dos jogadores de maior identidade com a torcida. E uma vez, eu fiz tabelinha com ele...

Conheci Lugano numa situação excepcional, e naquele dia ele ganhou mais um fã.

Sábado, fim de semana de um feriado prolongado na segunda-feira, cidade vazia, sonho de quem trabalha em São Paulo, mas não é paulista. Os nativos viajam para qualquer lugar nos feriados prolongados, praia, montanha, casa do sítio, acampamento, casa da sogra, até para a Bahia e Rio de Janeiro.

Cidade vazia, uma beleza...11 da noite, toca o telefone: “Nestor, é o Toni, preciso urgente de você”. Amigo que é amigo não pergunta o que houve... ok, conte comigo.

Eduardo Toni era o Diretor de Marketing da LG, na época patrocinadora do São Paulo e pelo tom da voz dele senti que o pepino era grosso (ele é tricolor doente).

O São Paulo acabara de ganhar o tricampeonato mundial de clubes, em cima do poderoso Liverpool e para celebrar o feito, o alto comando da LG (Coreana do Sul) resolvera fazer uma visita de “surpresa” ao seu maior investimento em marketing na América do Sul: O São Paulo Futebol Clube.

Ótimo, disse eu, assim quem sabe você ganha um merecido aumento.
Do outro lado da linha senti ele ranger os dentes...quem conhece Toni sabe da energia que ele coloca em tudo que faz e pelo rosnar senti que não havia clima para piadas...

Explicação necessária:
A LG tem uma diretoria militarizada, onde a hierarquia é a base da educação e disciplina deles. Os coreanos são os maiores cdf’s que conheço, ganham até dos japoneses. Não `a toa que um país, dividido entre capitalismo e socialismo em 1953, conseguiu em pouco tempo ser uma potencia financeira e tecnológica.

Voltando ao Toni: ...“filhadaputa”, disse ele, a comitiva da LG programou, sem me avisar, uma visita amanhã, ao Estádio do Morumbi e pelo protocolo o Presidente da LG e seus Vices esperam ser recebidos pela diretoria do clube com todas as honras e deferências.

Um longo suspiro assopra no meu ouvido pelo celular...e o Toni continua...e eu não consigo achar NINGUÉM do São Paulo, nem o porteiro do Estádio Cícero Pompeu de Toledo (o Morumbi) atende ao telefone, TODOS VIAJARAM neste feriado, Deus sabe para onde!...não dei um pio, senti que muita coisa estava em risco naquele silêncio e não era o aumento.

E o que você quer de mim? (fiz a pergunta por lealdade, mas já cruzando os dedos)...e ele com voz de quem simplesmente pergunta as horas...preciso de você, amanhã de manhã, 9 horas EM PONTO, de paletó e gravata, barbeado e sem bafo, sendo apresentado como Diretor de Marketing do São Paulo, para guiar o Presidente da LG e sua comitiva num tour pelo Estádio, Museu e sei mais lá o que...

Silêncio profundo...ferrou tudo, só pensei, não falei...

Meu inglês, aliás, nem tenho inglês, é tão ruim, tão ruim, que faço-me entender melhor por mímica, fingindo ser mudo. E como eu iria explicar para um grupo tão qualificado algo que eu não conhecia (São Paulo), numa língua que não falava?

Mas amigo que é amigo não pergunta o que está havendo, já entra dando uma voadora...ok, estarei lá...

Manhã de domingo, no Estádio do Morumbi, blazer preto, camisa branca, gravata vermelha com motivos pretos. Barbeado e perfumado, sem bafo, e com dois nós: um, na gravata e o outro nó, no estômago. De repente ruído de helicópteros, carros com sirenes, ônibus luxuosos com batedores...era a segurança nível chefe-de-estado da LG.

Desce a comitiva, o chefe na frente e perfilados atrás todos os demais. Só quando eles pararam na minha frente e um afobado/aliviado (ele temia que eu não fosse) Toni se inclina para mim e me apresenta como a autoridade maior do São Paulo, depositário de 18 milhões de reais do patrocínio, foi que percebi que o mundo é dos malucos.

Nice to meet you...nice to meet you too...risos amarelos (sem alusão étnica, era nervosismo mesmo)... que comecem os jogos...

La dentro a situação melhorou, tinha um tradutor, mas o que ele sabia de português eu sabia de inglês...empatamos. Sala de Troféus, etc e tal, Taça do Tricampeonato Mundial...só risos, até que o Presidente da LG para em frente a um busto e pergunta: “who is this?”...dava para ouvir o zumbido do ar-condicionado, tal foi o silêncio que se fez...
Dei um passo `a frente e comecei o meu papel de guia de museu informando sei lá o que, não sei quando, nem como, nem o porque...entre a história e a lenda, imprima-se a lenda (by John Ford). Inventei que o bigodudo tinha sido o bravo empreendedor que construiu o estádio, etc e tal... e deu tudo certo.

Mas o clima começou a pesar, era patente que eu estava “imbromotion” e o Toni, rápido que nem um raio nos leva para conhecer o gramado na esperança de em campo aberto o dano ser menor. Mas nesta altura do baba (como se diz na Bahia), eu já estava até batendo nas costas dos generais/diretores e rindo de tudo. O Lugano, na época um dos maiores investimentos da LG no São Paulo, nos acompanhava, ele era o aval do meu personagem são-paulino, todos o conheciam da seleção uruguaia e eu não deixava ele se afastar nem meio metro de mim.

No caminho para o campo, vi umas bolas num canto do corredor e quando estávamos no campo, naquele clima de olhar para as arquibancadas e não ter nada para dizer, chamei um assessor do Toni e pedi que ele fosse buscar as bolas.

Nunca fui um craque, mas ainda consigo fazer embaixadinhas com alguma classe e quando as bolas chegaram, peguei uma, fiz uns 8 “pontinhos” e joguei para Lugano, que craque que é, fez as firulas dele e me devolveu...milagre...todos pararam, aplaudiram, riram...e eu sem nenhum remorso da canalhice, fiquei chutando as bolas para os generais/diretores, quebrando o protocolo.

Em segundos as empertigadas figuras viraram crianças, correndo pelo campo, assumindo suas fantasias de jogadores de futebol, fazendo gols imaginários e sendo campeões. Lugano, claro, no time deles.

Para estragar nossa pelada eis que estão chegando os verdadeiros diretores do São Paulo, acionados em desespero pelo Toni, se justificando que estavam longe por conta do feriado, mas que agora estão `as ordens da LG e enquanto falavam se abotoavam e apertavam os nós de gravata. Ridículos. Atrasados. Imperdoáveis.

E ainda por cima interromperam a brincadeira logo quando o Presidente da LG estava ganhando (acho que foi por isso que ninguém da comitiva foi falar com eles).

A comitiva resolve ir visitar um shopping e a operação levanta-circo recomeça: carros, batedores, helicópteros...thank you so much, thank you...
Antes, porém, o Presidente vem me agradecer pelo meu respeito em ter chegado na hora, disponível, atencioso e ainda bom esportista em perder sem reclamar...me oferece então um presente ainda inédito no Brasil: um celular da mais alta tecnologia coreana, o Chocolate. Bonito e um dos melhores celulares que já tive.

Recebo com as duas mãos, uma leve vênia e só então o fito nos olhos...acreditem...ele ria, feliz com a visita. Estava salvo a pele do Toni.

Tão rápido quanto chegaram, eles partem, o Toni vai junto tirando um peso de duas toneladas das costas, sem nem pensar em pedir aumento e feliz de manter o bom emprego. Eu fico ainda uns minutos, sozinho, no silêncio do estádio vazio numa manhã ensolarada de domingo. Folgo o nó da gravata...

Eu, Palmeirense, penso...o que é que a gente não faz pelos amigos...

E foi assim que na pele de Diretor de Marketing do São Paulo, tendo os altos dirigentes coreanos da LG mundial como plateia, bati bola com Lugano. 
Lugano, um craque na bola e na educação.




Nestor Amazonas

Nestor Amazonas é jornalista, trabalhou nas emissoras da Rede Globo (SE/BA), Rede Manchete (PE/RJ e SP) e Grupo Abril.