CLÍNICA NONSENSE

Por: Paulo Fernando Morais

Publicado em 19/11/2017 as 21:21

Na recepção:

Cliente - É aqui a Clínica Nonsense ou mudaram?
Recepcionista – Acho que não, senão teriam me avisado.
Cliente – Quero uma consulta com Dr.FS. Quanto custa?
Recepcionista – Vou confirmar primeiro uma coisa: O F e o S são com E? Efe e Esse? Muito bem. A consulta hoje é 400 reais, mas daqui a uma semana será 100.
Cliente – Pago os quatrocentinhos agora. 
Recepcionista – A sala dele é a 5. Na volta o senhor pega o recibo.
Cliente – Recibo?! Deus me defenda de recibo.
Atendente – baixinho – Já sei: bipolar e em alta.
Na sala 5:
Cliente - após ser recebido pelo médico, que lhe abre a porta curvando-se com deferência, enquanto ele entra – Boa tarde, Dr.FS.
Médico – Já?! Boa tarde. E então, como vai? Como é mesmo o nome do senhor?
Cliente – É...no momento, não me lembro, mas sai já.
Médico – Não precisa. Foi um nome como esse que imaginei.
Cliente – Graças a Deus.
O médico silencia. Retira do estojo de uma gaveta do birô uma lixa e começa a polir as unhas. Encara o cliente, sorri um pouco, toca a trabalhar. O outro mexe-se no sofá, olha para cima, para os lados, volta a fixar o olhar no médico.
Médico – O senhor sabe fazer unhas?
Cliente – Não preciso, doutor. Ainda bem que nasci com elas.
Médico – O senhor é um homem de sorte. Fale.
Cliente - ....
O tempo passa. Lá se vão alguns minutos. 
Médico – Fale.
Cliente - ....
O médico interrompe a limpeza das unhas, olha em volta da sala, faz uma pequena pausa examinando o teto.
Cliente – Passou pra lá.
Médico – O senhor o viu?! Pra onde?
Cliente – Pra detrás da cortina.
Médico – Que diabo! Fica algum tempo sem aparecer, de repente...
Cliente – Lá em casa foi assim. Telefonei para o departamento da prefeitura que cuida desses assuntos, e mandaram que eu esquecesse. Esqueci. E desapareceu.
Médico – Foi mesmo?! É o que vou fazer. Mas, agora fale.
Cliente - ....
O médico continua polindo as unhas. De vez em quando, examina o resultado do trabalho. O cliente percebe filetes de lágrimas escorrendo dos olhos dele.
Cliente – O que houve, doutor?! Está chorando?
Médico – Acontece. Acontece todas as vezes que me lembro quanto pago pelo preço da consulta: 400 reais! Não há dinheiro que chegue. Tenho que dar um corte: 100. 100 é um preço razoável. Há colegas cobrando 1000. Outra coisa: começo a pôr em prática um sistema de atendimento que satisfaz a todos, e sai barato. – Olha o relógio – Daqui a pouco o senhor verá.
Cliente – O senhor também paga?! Com ou sem recibo?
Médico – Dispenso o recibo, não vou jogar contra mim. Como poderia deixar de pagar?! Tenho que dar o exemplo. Por que seria diferente dos outros?
Cliente – Que dia radiante! Alvíssaras! Estou diante de um homem justo. Precavido contra falatórios infames. Se cobra esse valor dos outros, que pague também a mesma coisa. Estão pensando o quê?! - fica alterado - É difícil encontrar gente assim. Eu mesmo sou cauteloso, embora em outra situação. Quando vou colocar gasolina no carro, mando que encham o tanque até transbordar durante alguns minutos. Não quero ser surpreendido no meio de uma estrada, o carro emperrado porque faltou gasolina.
Médico – Ainda mais se for à noite, e chovendo. 
O médico começa a eliminar as cutículas. Dobra os dedos colocando as mãos à altura dos olhos; pelo sorriso, vê-se que está satisfeito com a faxina. Circula o olhar pela sala. Levanta-se. Abre a cortina, balança-a.
Cliente – Foi pra debaixo do birô.
O médico fica de quatro, engatinha em torno da mesa, peneirando a mão sob ela.
Cliente – Voltou de novo pra cortina.
Médico – Fique onde quiser, seu brincalhão.
O médico apruma-se esfregando as mãos, sacudindo o pó dos joelhos. Já são passados 40 minutos da consulta.
Médico - Continue falando, senhor.
Cliente – Que barulho é esse?
Médico – Está ouvindo, também?
Cliente – Desde que entrei aqui.
Médico – É o silêncio. Não há zoada mais irritante do que esta. Um técnico mandou que eu abrisse a janela, a porta, trocasse o ar condicionado por ventilador, substituísse o piso de mármore pelo soalho, e, quando o ruído estivesse muito intenso, sapateasse que ele cessaria. É o que vou fazer.
Batem à porta. O médico abre e três pessoas entram e sentam-se ao lado do cliente.
Médico – São clientes. É esse o sistema sobre o qual ia lhe falar. Atendimento em grupo, a partir de hoje. Até cinco, seis pessoas podem marcar a mesma hora. Mais adiante, a meta é torná-lo coletivo e em horário único para todos. Por falar nisso, o seu terminou. Na próxima semana, dificilmente o senhor entrará sozinho.
O cliente se despede. Ainda no corredor, ouve a voz do médico chamando-o, e volta.
Médico - falando baixinho, a boca quase colada no ouvido do cliente – Logo que o senhor saiu, ele escapou para acompanhá-lo.
Cliente – Ah...,bem que imaginei. Deve ser o que fugiu lá de casa.




Paulo Fernando Morais

Paulo Fernando Morais é Jornalista e Escritor