A última visita

Por: Paulo Fernando Morais

Publicado em 18/09/2017 as 18:31

Claro que me lembro dele. Na usina Pedras, chamava-se Milton. Depois foi morar no Rio de Janeiro e virou Mendonça. Beque do Bangu, dos bons. Foi chamado para a seleção de 50, ficou na reserva de Augusto, zagueiro do Vasco. Em 5l, Didi de Guiomar e do Fluminense, na final do campeonato carioca daquele ano, quebrou-lhe a perna, o Fluminense foi campeão, e Milton Mendonça nunca mais jogou futebol. 

Milton chega amanhã, disse-me um amigo, saboreando a novidade. Só podia ar: a boca espumava. Corri pra casa, entrei gritando: minha mãe, aquele jogador filho de Seu Pedro, chega amanhã! Ah, é? Sabe que ele é meu afilhado? Não sabia de nada, esse rapaz não me entusiasmava, meus ídolos praticavam outro jogo. Mas, não podia ficar indiferente à novidade que, àquela altura, mexia com todos os pedrenses. Sobre futebol meu conhecimento era zero, meu negócio era caçar bandidos, em cima de um cavalo como Silver, do Zorro, e um revólver com cabo de madrepérola. Fui ao escritório me ilustrar com meu pai. Seu Mário detestava qualquer tipo de esporte, principalmente futebol. Sabia que Milton era seu afilhado, e ganhava dinheiro jogando bola. E só. É melhor você ir pra casa estudar. Férias não é somente brincar. Tome esse miúdo, compre um pedaço de cocada puxa, e leve pra casa. Não viva correndo e, quando passar, não bula com os bois de carroça. Aquela ruminação madorrenta é manha. 

Estava agoniado, o herói chegando e eu não conhecia seus feitos, todo mundo tinha uma história pra contar sobre ele, imitavam-no dando balões na área do Bangu, ao lado de Rafanelli. Quem é Rafanelli? Sai pra lá menino, você não entende de nada. Procurei Seu Agenor, o homem que fundou o União Futebol Clube, o time das Pedras. Só conversava sobre futebol. O serrote comendo a madeira e Seu Agenor...Seu Agenor, quer dizer que Milton vem amanhã, não é? Dizem. Está acabado. A novidade deixou-me sem fala. Pensei que houvesse morrido. Quando foi que morreu? Quer fazer graça, menino? Não ouviu falar que(Conversando sobre seu assunto predileto, Seu Agenor não admitia brincadeira)Didi acabou a carreira dele? Milton está em tratamento, puxa de uma perna. Pura tapeação. Parou de serrar, olhou o nada, e fulminou: acabou! Dava para encaixar o afilhado dos meus pais no painel dos meus ídolos? Seria imaginar, por exemplo, Randolph Scott com o braço engessado. 

No outro dia, Milton chegou. Estava chuviscando, quando o avistei mancando, usando uma capa marrom de plástico, em direção da bodega de Seu Osvaldo. Uma procissão de conterrâneos deslumbrados o acompanhava. As pessoas nas janelas entreabertas assistiam desoladas à última visita de seu herói ao lugar onde nasceu.




Paulo Fernando Morais

Paulo Fernando Morais é Jornalista e Escritor